sábado, fevereiro 25, 2006

Seca água.

"Brisa frienta começa a soprar,
E pingos de chuva caindo no chão,
Martelam o tempo de modo estranho,
Num tom dissonante de um violão.
Árvores se vestem de verde escuro.
O céu fica toldo, muito nublado.
Os raios de fogo clareiam a esfera;
A chuva despenca; tudo molhado.
O vento insistente sopra raivoso.
Muitas pombinhas ficam arrulhando.
Parece vibrar no espaço um lamento,
De alguém, que tristonho, está soluçando."

Foto daqui

domingo, fevereiro 19, 2006

As palavras.

"São como cristal,
as palavras.
Algumas,
um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm,
cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz e
são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta?
Quem as recolhe,
assim, cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?"

Eugénio de Andrade

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Esse rio sem fim.

"Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre
-Esse rio sem fim."

Fernando Pessoa

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Nada o quer de mim.

"Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.
Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.
Jazo-me sem nexo, ou fim...
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim."

Fernando Pessoa
Foto daqui.

sábado, fevereiro 11, 2006

Tempo.

"O grito dói.
São vogais amorfas
que não se desdobram em ecos.
Pesam as mãos.

São conchas arredondadas,
dedos desajeitados,
chumbo, corpo que cai.
Insisto em ser útil.

No recorte sem areia,
na imagem riscada,
arrastada,
nos olhos que tentam ver.

Na contração da tarde,
na interrogação eterna,
tento acertar relógios
que trituram o tempo.

Tempo...
que me anoitece a fronte,
me intumesce o cérebro."

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Nada.

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

Álvaro de Campos.

Foto daqui.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Tudo quanto penso.

"Tudo quanto penso,
Tudo quanto sou
É um deserto imenso
Onde nem eu estou.
Extensão parada
Sem nada a estar ali,
Areia peneirada
Vou dar-lhe a ferroada
Da vida que vivi."

Fernando Pessoa.
Foto aqui

domingo, fevereiro 05, 2006

sábado, fevereiro 04, 2006

Ternura de fragata.

"A poesia
arrebanha olhos ímpares,
fragatas que se alimentam
de ventos da ternura,
leques de doce
e sensível
ânsia de viver
o simlesmento belo."

Wilmar José Matter

O início.


Nada quente.
Nada luminoso.
Nada.
O início de nada.
É possível.
Porque a possibilidade já é.


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